domingo, 31 de outubro de 2010

Carta marítima

Vinte milhas náuticas, 31 de outubro de 2010

Caro Leitor,

Me joguei no convés de um navio rumo ao desconhecido. Dentre tantas viagens ilusórias lá me encontrava, debruçada nas grades do parapeito, fumo no canto direito dos lábios, livro nas mãos e um autor contando histórias vagabundas mas cheias de alma.

Sim, por mais covarde que pareça, isso era uma fuga. Podem utilizar de todos os subterfúgios morais e sociais para me atacar, já está feito.

Não sei o que é pior: nunca ter partilhado de uma história com alguém, permanecendo seca como uma árvore infrutífera ou viver no limite da paixão repentina e ter o peito tão devastado que, nem o vômito gutural das palavras pudesse aliviar ou pelo menos conter a dor psicológica que vivencio desde então.

E ao anoitecer todos os navegantes se reuniam no salão de festas, vestidos de rostos juvenis e feições velhas, para celebrar a mórbida mediocridade de suas vidas.

Entre tantos cálices de vinho, cartas de truco e badernas se formando, no centro do palco dançava uma bailarina da companhia de dança contratada. Negra e de cachos até a cintura, o suar percorria seu corpo enquanto o ritmo hipnotizava.

Mais tarde, com um desejo fugaz, persegui-a, mordi seus lábios, beijei-a na língua e apertei-a contra meu corpo. No balanço enjoativo do navio tomei-a para mim e, posteriormente, com violenta e insensata raiva de minhas atitudes resolvi levar tudo até o fim, derrubei os livros sobre a mesa, aqueles novos e com cheiro de pinheiro recém cortado, para facilitar a perversão animal.

Funcionários, por via de regra, não se misturam ou se metem com passageiros. Por que então, Maria, meteste comigo? "Porque teus olhos cor de terra barrenta não eram desejo e sim um longo precipício de raiva, tristeza e solidão". Indaguei-a se havia sido por bondade mas, sobretudo, por pena. Ela balançou a cabeça afirmativamente.

Agora me atinha às estrelas, eram tão diferentes vistas no meio dessa imensidão azul, em São Paulo simplesmente não as via. E faziam meses que não via os olhos da paixão.

O rumo linear de meus pensamentos foram cortados pelos esbravejos do imediato sinalizando a fúria de Poseidon, tornados e tempestades se formavam logo mais. Assim, todos os passageiros, incluindo a mim, deveriam se dirigir aos aposentos. Se pudesse parar a chuva nos primeiros erros...

Em meu leito chorei pela segunda vez desde que minha sanidade havia sido tomada e como cristã e também brasileira, adepta de todo tipo de sincretismo religioso, roguei Deus, natureza, Iemanjá, Sol, Lua, astros, Buda, Satanás, Shiva, Zaratustra, gregos e romanos, mesmo não acreditando nessa porra toda, para que Baco, onde quer que estivesse, pensasse em mim e me embriagasse para todo sempre.

Da insanidade até meus amigos terrestres,
Saudações daquela vadia suja que sofre as misérias do amor
XXX

PS: gramática, vírgulas e crases são um inferno.

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